domingo, 14 de dezembro de 2014

"Por que o CBERS-4 é um sucesso?", artigo de José Monserrat Filho

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Por que o CBERS-4 é um sucesso?

José Monserrat Filho

O lançamento bem sucedido do CBERS-4 é um fato que transcende o êxito tecnológico da parceria entre Brasil e China, iniciada ainda nos anos 80. Naquela época, os dois países em desenvolvimento não encontraram nenhum país desenvolvido para realizar um trabalho conjunto de tal monta.

O novo satélite sino-brasileiro de recursos naturais da Terra – o quinto da série – foi lançado com absoluta precisão pelo foguete chinês Longa Marcha 4B, do Centro Espacial de Taiyuan, no Sul da China, às 11h26 da manhã de domingo, 7 de dezembro (01h26 pela hora do Brasil), e alcançou sua órbita a 742,5 km da superfície do planeta. E logo começou a produzir suas primeiras imagens, vistas já no dia seguinte. Sua inclinação em relação à Terra é de 98,6 graus, como previsto. E sua vida útil está estimada em três anos.

Antes do CBERS-4, foram lançados com sucesso o CBERS-1, em 1999, o CBERS-2, em 2003, e o CBERS-2B, em 2007. A subida do CBERS-4, inicialmente programada para dezembro de 2015, foi antecipada em nada menos do que um ano para substituir o CBERS-3, cujo lançamento falhou em dezembro de 2013. Antecipar em um ano o lançamento do CBERS-4 significou na prática o desafio de estreitar os cronogramas, reduzir os prazos, aumentar a vigilância em todos os detalhes, aprofundar o rigor nos testes, e redobrar o trabalho normalmente executado para montar, integrar e preparar um satélite. O esforço foi feito com total empenho e competência. O resultado comprova o alto nível e a dedicação das equipes técnicas do Brasil e da China.

Satélites como o CBERS-4 são ferramentas poderosas e indispensáveis para monitorar o território de países de extensão continental, como Brasil e China. As imagens obtidas permitem vasta gama de aplicações – desde os mapas das queimadas, do desflorestamento da Amazônia e da expansão nem agrícola nem sempre legal, até estudos de desenvolvimento das cidades, estradas, dos rios, dos recursos hídricos.

O Programa CBERS, desde o início, levou à criação e ao desenvolvimento do parque industrial brasileiro na área espacial. Nossas empresas espaciais surgiram, se qualificaram e continuam se modernizando para atender às demandas da parceria sino-brasileira, e de outro projetos que agora despontam. Nossa política industrial estimula a qualificação de fornecedores e a contratação de serviços, bem como a construção de componentes, partes, equipamentos e subsistemas junto a empresas nacionais, o que exige mais e mais especialistas, engenheiros e técnicos.

Graças à política de acesso livre aos dados de satélites, iniciativa pioneira em boa hora adotada pelo Brasil, as imagens do CBERS são e seguirão sendo distribuídas gratuitamente a qualquer usuário pela Internet. Isso veio popularizar as atividades de sensoriamento remoto e fez crescer o mercado de geo informação no país. Essa política também favorece países da América Latina e da África.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) distribui cerca de 700 imagens por dia a mais de 70 mil usuários e suas instituições que trabalham com o meio ambiente, e ajudam a semear a almejada e imprescindível responsabilidade ambiental, um clamor do nosso século.

O CBERS-4 tem sofisticado conjunto de câmeras, com desempenhos geométricos e radiométricos aperfeiçoados em relação aos CBERS anteriores. São quatro câmeras: Imageador de Amplo Campo de Visada (WFI), Imageador de Média Resolução (MUX), Imageador Infravermelho (IRS) e Imageador de Alta Resolução (PAN).

Fruto de brilhante inovação, MUX é a primeira câmera para satélite inteiramente projetada e produzida no Brasil. Com 20 metros de resolução e multi espectral, ela registra imagens no azul, verde, vermelho e infravermelho, em faixas distintas. Suas bandas espectrais têm funções bem calibradas para serem usadas em diferentes aplicações, sobretudo no controle de recursos hídricos e florestais. “Uma imagem é gerada em apenas cinco minutos para uma base solicitante, como a de Cachoeira Paulista (SP), por exemplo”, informou João Vianei Soares, do INPE, responsáveis pelas aplicações do satélite. O CBERS-4, portanto, contém avanços tecnológicos importantes alcançados por equipes brasileiras.

Com duas toneladas de peso e equipado com quatro câmaras o CBERS-4 dará 14 voltas no planeta por dia, em órbita polar. Em baixa resolução, ele produz imagens de toda superfície em cinco dias; em média resolução esse tempo é de 26 dias; e em alta resolução, de 52 dias.

A ponta do iceberg – Mas o sucesso do CBERS-4 é apenas a ponta de um grande e crescente iceberg – as relações mutuamente benéficas entre o Brasil e a China nas mais diversas e relevantes áreas. Basta ver o tamanho da agenda atual de programas e projetos que hoje mobilizam os dois países, sem falar no Plano Decenal de Cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação, e no Plano Decenal de Cooperação Espacial – com itens já em andamento.

Cabe lembrar que, desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e uma das principais origens de investimentos diretos no país. Em 2012, por exemplo, o comércio bilateral registrou US$ 75,4 bilhões: o Brasil exportou para a China US$ 41,2 bilhões e importou daquele país US$ 34,2 bilhões, obtendo, como resultado, um superavit de US$ 6,9 bilhões..

A III Reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), principal mecanismo da cooperação entre os dois países, realizou-se em Cantão, na China, em novembro de 2013, presidida pelo Vice-Presidente do Brasil e pelo Vice-Primeiro-Ministro do Conselho de Estado da China. As primeiras Reuniões da COSBAN foram realizadas em 2006, em Pequim, e em 2012, em Brasília. Criada em maio de 2004, a COSBAN tem onze Subcomissões, que cobrem todo o universo das relações bilaterais. São elas: Econômico-Financeira; de Inspeção e Quarentena; Educacional; Política; de Cooperação Espacial; Econômico-Comercial; de Agricultura; Cultural; de Ciência e Tecnologia; de Energia e Mineração; e de Indústria e Tecnologia da Informação. Conta também com Grupos de Trabalho sobre temas específicos, como investimentos; propriedade intelectual; questões aduaneiras; esportes, entre outros.

Como resultado do trabalho de algumas dessas Subcomissões, os Centros Brasil-China de Nanotecnologia e de Mudanças Climáticas e Tecnologias Inovadoras para Energia já estão em funcionamento e procuram promover os seus planos e projetos.

O navio hidroceanográfico Vital de Oliveira, peça fundamental do projeto do Instituto Nacional de Pesquisas Oceanográficas e Hidroviárias (INPOH), está sendo construído no estaleiro de Xinhui, na China, e deve ser entregue em 2015.

O 2º Diálogo de Alto Nível Brasil–China sobre Ciência, Tecnologia e Inovação deverá ser realizado em Brasília, no primeiro semestre de 2015. De sua agenda já constam questões da área espacial, a presença de empresas chinesas no Brasil, como a Baidu e a Huawei, acordos entre universidades dos dois países e o programa “Ciência Sem Fronteiras”. A Academia de Ciências da China (CAS) participará do evento, o que certamente abrirá novas perspectivas de cooperação.

O 1º Diálogo teve lugar em Pequim, em 2011, e abordou parcerias em agricultura, energias renováveis, nanotecnologia, segurança alimentar e tecnologias da informação. Atualmente, há apenas 253 estudantes brasileiros na China, que frequentam cursos ministrados em inglês. A meta comum é aumentar esse número e intensificar a mobilidade acadêmica daqui para lá e de lá para cá.

Vale ainda acrescentar que Brasil e China estão juntos no fórum BRICS, ao lado da Rússia, Índia e África do Sul. Na Conferência de Cúpula do BRICS, realizada no Brasil (em Fortaleza), em julho de 2014, foram assinados os acordos que estabeleceram o Arranjo Contingente de Reservas (CRA, na sigla em inglês) e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).

Os dois mecanismos, como escreveu Paulo Nogueira Batista Jr. (O Globo, 12/12/2014), “podem inclusive cooperar” com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, “mas foram concebidos para serem autoadministrados e atuarem de forma independente”. Ainda segundo Paulo Nogueira, o CRA e o NDB são a primeira “alternativa potencial” ao FMI e ao Banco Mundial, “dominadas pelas potências tradicionais – os EUA e a União Europeia”.

Bilateralmente ou em grupo, no espaço ou na Terra, China e Brasil estão fazendo história, capaz de dar novo rumo à crise que o mundo vive hoje.
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