domingo, 13 de dezembro de 2015

Comissão do Senado: relatório sobre os setores espacial e de defesa

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Em meio ao difícil momento político brasileiro, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal se reuniu em Brasília (DF) no ultimo dia 10 para analisar e deliberar sobre um relatório diagnóstico sobre o momento atual dos setores de defesa e aeroespacial no Brasil.

Apesar de simples, o relatório traz informações interessantes. Em relação ao setor espacial, alguns de seus apontamentos deram origem a recomendações aprovadas pela CRE, dentre as quais um requerimento direcionado ao Tribunal de Contas da União - TCU para que sejam tomadas "providências no sentido de iniciar auditoria no Acordo Brasil-Ucrânia no tocante ao uso de recursos públicos para utilização da Base de Lançamentos de Alcântara", sob a alegação de que foram investidos mais de R$1 bilhão, sem qualquer retorno (o programa da Alcântara Cyclone Space foi cancelado no primeiro semestre deste ano).

Interessante também observar a recomendação para que sejam retomadas as negociações para um acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA relativo à exploração do centro espacial de Alcântara.

Reproduzimos abaixo os principais trechos do relatório que tratam do setor espacial:

"O objetivo do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE) é a implantação de sistemas espaciais de uso militar e civil (uso dual), como, por exemplo, Defesa Civil, Programa Nacional de Banda Larga e Sistema de Proteção da Amazônia. Trata-se de um projeto que integra as Forças Armadas, pois permitirá a integração do Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia (SIVAM), a cargo da Aeronáutica, do SISFRON, a cargo do Exército, e o SISGAAZ, a cargo da Marinha. O custo estimado do projeto é de cerca de R$ 12 bilhões. A previsão de início era para este ano, mas nada foi executado. A previsão atual de término é 2022.

O PESE segue as diretrizes do Programa Nacional de Atividades Aeroespaciais (PNAE). O PNAE é dirigido pela Agência Espacial Brasileiro, pertencente ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI. O Ministério da Defesa e o Itamaraty também fazem participam do Programa.

Muito se fala do valor agregado dos produtos de uma indústria. Para análise da importância estratégica do setor aeroespacial, enquanto 1 quilo de produtos aeronáutico vale entre 2000 a 3000 mil dólares, 1 quilo no setor espacial vale 50 mil dólares. Ou seja, não estamos falando só de investimentos, estamos falando de possibilidades de exportação, de empregos de alto valor agregado, e estamos falando de soberania.

Os recursos dispensados ao PNAE ao longo dos seus 36 anos foram muito menores do que os necessários. Com os contingenciamentos recentes, o valor que o Programa vinha recebendo nos últimos 30 anos - de aproximadamente R$250 milhões anuais, aproximadamente US$ 65 milhões anuais, não só para o satélite, como também para toda a infraestrutura associada necessária - diminuiu drasticamente para menos de US$ 20 milhões neste ano. Não existe indústria que sobreviva a uma situação como esta.

As causas para o atraso do PNAE são variadas, segundo vários especialistas: não apenas a aplicação insuficiente de recursos financeiros, mas também a ausência de um comando unificado, com foco em resultados, e a baixa integração com a indústria. 

Países da América Latina vem desenvolvendo tecnologias para aplicação militar muito mais avançadas do que as brasileiras. A Argentina já está colocando o seu segundo satélite geoestacionário em órbita e construindo o terceiro. É o único país da região já em estágio avançado de montagem e integração em solo nacional de um satélite geoestacionário. Países como o Chile, Peru e Venezuela têm resolução e precisão maiores que os do Brasil.

O Brasil ainda não tem infraestrutura física capaz de suportar o desenvolvimento de um SGDC, pelo porte do mesmo. 

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, de 1961, tem a missão de produzir e desenvolver altas tecnologias na área espacial e formação de mão de obra capacitada. Mas o que tem acontecido: dispensa da mão de obra qualificada, por não haver projetos, e perda de competência e desenvolvimento tecnológico.

Nos últimos três anos, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança - ABIMDE, principal entidade do setor de Defesa, tínhamos 500 especialistas trabalhando no setor espacial, hoje, com a ociosidade, temos menos de 200 técnicos e engenheiros trabalhando no setor. A reposição da mão de obra também é crítica: em 2027 teremos, por aposentadorias, 20% da mão de obra em comparação à 2004, quando o setor funcionava a pleno vapor. Se não investirmos na recapacitação do INPE e na capacitação da Agência Espacial, este setor estratégico vai se extinguir.

Em 2000 o governo brasileiro iniciou discussões sobre como utilizar comercialmente a Base de Alcântara, no Maranhão. Previsto na Estratégia Nacional de Defesa, o uso da Base de Alcântara, é uma das possibilidades para que o Programa Nacional de Atividades Aeroespaciais - PNAE tenha recursos, dado que cada lançamento de satélite rende cerca de US$ 50 milhões em valores atuais. A localização da base é privilegiada, apresentando competitividade para concorrer no mercado global de lançamento de satélites comerciais de meteorologia e de comunicações.

Segundo o embaixador Rubens Barbosa, em audiência na CRE, há interesse de empresas europeias, norte-americanas, chinesas e russas em participar com empresas brasileiras desse significativo mercado internacional.

A alternativa negociada naquele ano foi a assinatura de um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com o governo norte-americano. Os EUA exigiam para utilizarem, que houvesse garantias (salvaguardas) na utilização das tecnologias utilizadas no lançamento de satélites e da propriedade intelectual dos satélites e do veículo lançador. Os EUA têm interesse em restringir o número de países que têm o domínio de lançamento de satélites, por claros motivos geopolíticos.

A oposição na época, principalmente o partido que hoje governa o país, vetou a aprovação do Acordo. Há 13 anos o Acordo está parado na Câmara de Deputados.

O importante a ser apontado aqui é que o este mesmo Acordo foi traduzido e assinado com a Ucrânia em 2004, num governo que em 2001 era oposição. O acordo com a Ucrânia em torno do Projeto Cyclone previa o lançamento de um satélite em cooperação com a Ucrânia e a utilização de um veículo lançador de satélites ucraniano.

Mas foi ignorado um dado fundamental: para o lançamento do satélite no âmbito do Acordo com a Ucrânia, era necessário que o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os EUA estivesse assinado, pois havia componentes norte-americanos no veículo ucraniano e no próprio satélite desenvolvido de forma cooperativa entre o Brasil e a Ucrânia. O Acordo com a Ucrânia foi cancelado pelo Brasil no 1º semestre de 2015. Os dois governos gastaram no Projeto Cyclone cerca de R$ 1 bilhão, segundo várias fontes.

Ou seja, a não aprovação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os EUA em 2001 inviabilizou o prosseguimento da utilização da Base de Alcântara. A falta de planejamento e conexão entre os atores governamentais envolvidos na meta de utilização da Base de Alcântara em benefício do PNAE tornou inviável a utilização de uma situação brasileira privilegiada em termos de localização.

Para prosseguirmos no que está previsto na Estratégia Nacional de Defesa em relação ao setor aeroespacial, portanto, o primeiro passo que deve ser dado é a retomada da negociação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre o Brasil e os EUA."
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